sexta-feira, 7 de maio de 2010

Vagalume Vespertino

Avental sujo, cozinha quente mas limpa e ela lá, feliz por sua rotina, feliz por estar preparando o almoço para o marido e a filha pequena. Tudo estava tão bem, tão simples. Ela estava picando o alho pois a cebola havia acabado de picar quando foi surpreendida com a pergunta da filha
- Mamãe, o que os vagalumes fazem de dia?
Ela ficou estupefada - se é que esta é a palavra correta - com a pergunta. Ficou num primeiro momento paralisada como se a frase da filha fosse "Estátua! Te peguei de novo mamãe!", mas não foi.
Ela, como nova mãe que era, mãe de primeira viagem melhor dizendo, sabia que um dia este dia chegaria, o dia em que a criança faria uma pergunta difícil de responder, mas não esperava que fosse assim, que fosse hoje, que fosse esta.
Ela, esperta que só ela, havia se preparado para tais perguntas difíceis, lendo livros com bebês na capa que parecem de auto-ajuda e perguntando para amigas, mas ela se preparara para as perguntas difíceis mas normais como "de onde os bebês nascem?", "porque eu não tenho um pipi?", "o que aconteceu com o vovô? Ele não vai mais acordar?", "o que é sexo?" "socorro, to sangrando!", etc... Havia pesquisado e pensado no melhor modo para responder a cada uma destas perguntas, afinal, sua filha parecia ser esperta e bem curiosa e estas perguntas não tardariam a chegar.
Inocência. Não a da criança em fazer tal pergunta, mas a da mãe em achar que a perguta seria seria simples como uma destas, mas como se responde a uma criança "o que os vagalumes fazem de dia"?
"Esta garota vai fazer faculdade, e digo mais, de filosofia!" - pensou a mãe.
A mão percebeu que estava lacrimejando, não sabia se pelo desespero da pergunta filosófica ou se pela cebola que já estava cortada, e isto a deixou mais perdida ainda, pois estava com a mão suja para enxugar.
Filosófica, sim, pois "o que fazem os vagalumes de dia?" indica reflexão semelhante a "se uma árvore cair num lugar sem ninguém para ouvir, ela fará barulho?", afinal, vagalumes não são vistos durante o dia, será que eles existem durante o dia? Existem mesmo a garota nunca os tendo visto de dia? E se sim, o que eles fazem afinal? Escondem-se sobre um simples vagalume de dia questões existênciais, pura filosofia.
A mãe, ainda parada com a bora entreaberta como quem vai dizer algo mas não lhe sai uma palavra ou como quem simplesmente está boquiaberta com a pergutna, olha a filha parada em frente a ela com os grandes olhos abertos ao lado do fogão.
- Filhá, sai de perto do fogão sai filha, e deixa sua mãe cozinhar que eu te explico isso que senão o arroz queima (isso porque ela ainda estava no alho, só o feijão estava no fogo ainda, mas tudo bem).
Que alívio para a mãe, que ficou observando como o pai responderia tal questionamento filosófico, afinal ele fez faculdade mas não foi de filosofia!
- Não dá pra saber o que os vagalumes fazem de dia porque a gente não vê os vagalumes de dia, mas deve ser porquê eles dormem de dia.
- Dormem de dia?
- É, quenem as corujas e os morcegos.
- E de noite?
- Ficam acordados.
- ...
- Você dorme de noite e fica acordada de dia. A coruja, dorme de dia e fica acordada de noite.
- Mas eu já vi um vagalume de noite, e eu tava acordada.
- Sim, sim. As vezes a gente fica acordado de noite, e aí você viu o vagalume. Do mesmo jeito, podem existir vagalumes que ficam acordados de dia, mas fica difícil de enxergalos né.
- É, porque tá didia e o sol faz um montão de luz e o vagalume faz só um pouquiiiiiiinho de luz na bunda.
- É, mas eu já vi um vagalume de dia.
- Já?
- Sim, mas poucas vezes. É mais difícil de ver né, tem que dar sorte e prestar muuuita atenção. Eu os chamaria de vagalumes vespertinos. Soa até bem. São vagalumes que tem hábitos diurnos, ou melhor dizendo, vespertinos. Seriam os vagalumes que acordam um pouco mais cedo que os outros, antes de anoitecer e ficam por aí, passeando despercebidos, observando as pessoas, seus costumes, situações, suas relações, suas loucuras de amor, suas conversas, suas maluquices e genialidades, tudo isto estando praticamente invisíveis aos olhos humanos. Seriam observadores eles. Observadores da vida. Observam sem serem observados e pode ser um momento especial para alguém percebê-los observando.
O pai olhou para a filha e viu que ela já não estava prestando atenção faz tempo, rindo imitando uma abelha... talvez um vagalume que zuni... Uma vespa! Isso, um vagalume-vespa, talvez por causa da palavra vespertino, que pra ela não significa nada.
O pai pega seu caderninho e começa a fazer anotações.
...






E a mãe, ainda parada observando tudo que se passava descobre de onde a criança puxou todos estes questionamentos filosóficos.






- AI O FEIJÃO!!!

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